Em 2023, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o uso de colchicina em baixa dose em pacientes com doença arterial coronariana (DAC).
Em artigo recente publicado no JACC, pelos autores mundialmente reconhecidos na Cardiologia,
Valentin Fuster e Paul Ridker, comentaram sobre o uso dessa droga na DAC. Mas, afinal, o que foi o grande insight do tema? Vamos chegar lá, só precisamos fazer uma pequena revisão antes.
A DAC continua sendo uma doença prevalente em toda a população mundial, a despeito de todas terapias para dislipidemia, hipertensão, DM. Nesse contexto, fala-se muito em risco cardiovascular residual. Esse termo é definido como a persistência do risco de recorrência de doenças cardiovasculares, a despeito de ter atingido as metas consideradas como ideias: LDL, PA, glicemia. Um dos desses fatores negligenciados é o da inflamação sistêmica.
Em estudo recente, com mais de 30.000 pacientes com aterosclerose e em tratamento com estatinas de alta potência/adjuvantes baseados em meta de LDL , observou-se que o risco inflamatório residual, aferido por proteína C reativa ultrassensível (PCR-US) >= 2, foi mais fortemente associado com risco de recorrência de eventos cardiovasculares do que propriamente o risco residual do colesterol (LDL).
E da onde surgiu esses dados? Já foi observado, por exemplo, no estudo CANTOS (publicado na NEJM em 2017) em pacientes em prevenção secundária (após infarto agudo do miocárdio) e com PCR-US >= 2, quando utilizado um inibidor da interleucina-1β, o Canakinumab, foi reduzido o risco de recorrência de eventos cardiovasculares, independente do tratamento da dislipidemia.
OBS: problemática? medicação inviável do ponto de vista econômico e populacional.
Eis que existe a Colchicina, remédio amplamente disponível e barato, inibidor de polimerização de microtúbulos, testado em baixa dose 0,5mg/dia e um excelente substituto para reduzir o risco inflamatório residual nesses pacientes com PCR-US >= 2. Os resultados são fidedignos e positivos na população mencionada anteriormente, em Trials como COLCOT e LoDoCo2.
Em várias metanálises, não houve interações medicamentosas com o tratamento habitual da prevenção secundária (estatinas, AAS e outras medicações utilizadas na prevenção secundária de aterosclerose). É uma alternativa segura, entretanto deve ser evitada em pacientes com disfunção renal e/ou hepática significativa. Cuidados devem ser tomados com essas medicações que também são metabolizadas pelo citocromo CYP3A4 (conforme figura):
Por esse motivo, foi aprovado pela FDA e no artigo em questão foi dada essa sugestão terapêutica que segue:
Opinião cardiológico: a colchicina 0,5mg/dia torna-se uma opção terapêutica interessante nos pacientes ateroscleróticos considerados “inflamados” (medidos pela PCR-US >= 2), sabe-se que a inflamação de fato é um fator de risco cardiovascular importante, exemplos disso são doenças reumatológicas e o próprio HIV que que são patologias que aumentam esse risco, independente de outros fatores. E ainda vale salientar que isso não elimina os alvos terapêuticos de LDL, pressão arterial, glicemia, estimular atividade física e todos os fatores de risco cardiovasculares. É sabido que o controle de todos os fatores de risco cardiovasculares, torna improvável a recorrência de eventos.
Referências bibliográficas:
- Nelson, K, Fuster, V, Ridker, P. Low-Dose Colchicine for Secondary Prevention of Coronary Artery Disease: JACC Review Topic of the Week. J Am Coll Cardiol. 2023 Aug, 82 (7) 648–660. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2023.05.055
- Ridker PM, Bhatt DL, Pradhan AD, Glynn RJ, MacFadyen JG, Nissen SE; PROMINENT, REDUCE-IT, and STRENGTH Investigators. Inflammation and cholesterol as predictors of cardiovascular events among patients receiving statin therapy: a collaborative analysis of three randomized trials. Lancet. 2023; 401:1293–1301. doi: 10.1016/S0140-6736(23)00215-5
- The Time to Initiate Anti-Inflammatory Therapy for Patients With Chronic Coronary Atherosclerosis Has Arrived. Paul M Ridker, MD, MPH