Milrinone – tudo que você precisa saber.

A gente vive discutindo e falando da dobutamina, mas será que essa é a única opção de inotrópico que temos? Na verdade, não! Pra quem trabalha com cardiologia a pergunta é um pouco óbvia, mas pra quem não trabalha sempre vale a pena conhecer as outras opções e entender as peculiaridades do uso de diferentes drogas. Hoje vamos falar de outro inotrópico disponível do mercado, o famoso milrinone, cujo nome comercial é Primacor. 

Primeiramente, é importante lembrar que os inotrópicos são medicações que atuam aumentando a contratilidade miocárdica e por isso são fundamentais em casos que o paciente apresenta falência cardíaca, como choque cardiogênico. O mecanismo pelo qual essas medicações geram aumento da contratilidade são variáveis e influenciam nas características de cada medicação.

Em relação ao milrinone, seu mecanismo de ação ocorre através da inibição da fosfodiesterase III, que leva ao aumento da concentração do AMP cíclico (AMPc) por redução de sua degradação. Este aumento de AMPc é responsável por gerar, em última análise , aumento do fluxo de cálcio intracelular, proporcionando aumento da força contrátil. Dessa forma, o milrinone apresenta mecanismo de ação diferente da dobutamina, que é um agonista beta adrenérgico. Além do efeito inotrópico, o milrinone também apresenta ação vasodilatadora sistêmica. Em nível pulmonar também ocorre vasodilatação, através da redução da resistência vascular pulmonar e pressão capilar pulmonar .

Para lembrar no cotidiano: milrinone é uma droga que gera aumento de inotropismo, além de vasodilatação sistêmica e pulmonar. Pode ser utilizada junto com a dobutamina; betabloqueadores não interferem no efeito da medicação.  

Milrinone está disponível apenas para uso intravenoso e deve ser administrado em infusão contínua. A infusão pode ser realizada em acesso periférico ou central. As ampolas estão disponíveis na concentração de 1 mg/ml e a diluição habitual consiste em 01 ampola (de 20 ml ) em 80 ml de SG 5% ou SF 0,9%; o que leva a uma solução de 200 mcg/ml.  

Para lembrar no cotidiano: diluir 01 ampola de milrinone (1mg/ml) em 80ml de SF 0,9% ou SG 5%. Deixar medicação em bomba de infusão contínua. Não administrar milrinone na mesma via que se realiza infusão de furosemida (possibilidade de formação de precipitado)!

A meia-vida da medicação é de cerca de 2-3 horas e sua principal forma de eliminação é a renal. A dose de manutenção deve ser calculada com base no peso do paciente e varia entre 0,375-0,750 mcg/kg/min em pacientes com função renal preservada. Pode ser realizado um bolus de 25-75 mcg/kg, em 10 minutos, no início da infusão . O bolus não deve ser realizado em pacientes com PA limítrofe (PAS < 110 mmHg). E a dose de manutenção deverá ser corrigida baseada no ClCr.

A medicação é considerada classe C na gestante e não deve ser utilizada de forma rotineira. Não se sabe sobre a excreção da medicação no leite materno, e por isso deve-se ter cautela ao utilizá-la. 

Em relação aos pacientes isquêmicos, o estudo OPTME CHF publicado no JACC em 2003, mostrou piores desfechos associados com o uso do milrinone em pacientes com miocardiopatia isquêmica.

Os efeitos colaterais mais frequentes são: hipotensão , arritmias (as ventriculares em geral são mais frequentes) ; cefaleia, mialgia. Efeitos mais raros compreendem anafilaxia, broncosespamo e redução da contagem plaquetária.

Sendo assim, os problemas e as desvantagens com o uso dessa medicação compreendem a impossibilidade de uso em pacientes hipotensos, necessidade de correção da dose pela função renal e impossibilidade de uso em pacientes com isquemia. Utilizar com cautela nos pacientes taquicárdicos, preferencialmente controlando arritmias antes da introdução da droga.

Uma vantagem importante do milrinone é que além da sua ação vasodilatadora pulmonar, há provável efeito sobre redução da pressão pulmonar e melhora da função ventricular direita.

Para lembrar no cotidiano: o milrinone NÃO DEVE ser utilizado em pacientes com choque cardiogênico pós IAM.

E aí? Já podemos pensar em milrinona para qualquer paciente? Resumindo, não há na literatura evidência de superioridade de um inotrópico  e a  escolha do inotrópico durante a condução do choque cardiogênico deverá se basear na análise de uma série de características do paciente.

Take home message   A despeito do alto custo, o milrinone é uma droga que pode ser utilizada no tratamento dos pacientes com descompensação do quadro de insuficiência cardíaca com bastante segurança, desde que assegurados sua dosagem correta e as precauções a serem tomadas, especialmente nos pacientes com hipotensão e disfunção renal.
Ana Vitória Vitoretti
Cardiologista e Especialista Cardiopatia
Congênitas pelo InCor/USP

Bibliografia

1- G.Michael Felker et al Heart failure etiology and response tomilrinone in decompensated heart failure: Results from the OPTIME-CHF study,Journal of the American College of Cardiology, Volume 41, Issue 6,2003.

2- Colucci WS et al. Milrinone and dobutamine in severe heart failure: differing hemodynamic effects and individual patient responsiveness .Circulation. 1986;73(3 Pt 2):III175.

3- Chong LYZ et al. Milrinone Dosing and a Culture of Caution in Clinical Practice. Cardiol Rev. 2018 Jan/Feb;26(1):35-42.

4- Mathew R et al . Milrinone as Compared with Dobutamine in the Treatment of Cardiogenic Shock. N Engl J Med. 2021 Aug 5;385(6):516-525. doi: 10.1056/NEJMoa2026845. PMID: 34347952.

5- Anderson JL et al . Efficacy and safety of sustained (48 hour) intravenous infusions of milrinone in patients with severe congestive heart failure: a multicenter study. J Am Coll Cardiol. 1987 Apr;9(4):711-22.

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