Por Deborah Belfort – Cardiologista e Especialista em Insuficiência Cardíaca e Transplante Cardíaco InCor/USP
A presença de turgência jugular no exame físico é o parâmetro mais acurado para tentar estimar as pressões de enchimento ventriculares, sendo correlacionada com as pressões de enchimento das câmaras esquerdas em cerca de 75% dos casos. Mas essa informação só é válida se o exame da veia jugular for feito de forma adequada… e o problema é que visualizar o pulso venoso jugular não é tão simples assim!
Na faculdade, a maioria das pessoas está acostumada a olhar aquela veia jugular externa enorme e dizer que tem turgência jugular. Mas aí que está o primeiro erro: a jugular que a gente avalia é a jugular interna, não a externa! E a jugular interna não é visível como uma estrutura anatômica, mas sim como um pulso venoso, o ponto mais alto de uma coluna de líquido. Então, primeira coisa: você não vai ver uma veia, você vai ver um pulso venoso. Segundo: não é em toda posição que você consegue ver esse pulso. Isso vai variar com o grau de hipervolemia, anatomia, etc. Tem uma série de manobras que podemos fazer para ter certeza dessa avaliação.
Você sabe examinar o pulso venoso? Quer dicas valiosas e como visualizar o pulso venoso de forma correta? Bora lá:
1 – Vocês lembram como é o pulso venoso? O pulso venoso é bifásico! Observem: na primeira imagem, relembrem que em um único ciclo, nós temos 3 ondas positivas: a, c e v. A onda a e a onda c normalmente são vistas como uma única onda, mas a onda v é vista separada.
Eu sei que pode ter começado a bater o desespero com essas ondas venosas, mas do ponto de vista prático, isso é traduzido da seguinte forma: para cada impulsão arterial, você vai ver duas impulsões venosas. ! Então no pescoço do paciente você vai duas impulsões na jugular para cada impulsão carotídea. Esse vai ser o ponto alto da coluna de líquido que sai do átrio direito. Quanto maior a pressão venosa central, mas alto esse pulso venoso.
2 – Se você está na dúvida se o pulso é venoso ou carotídeo, é possível fazer a seguinte manobra: use o dorso do dedo indicador e comprima de forma suave o trajeto da veia jugular e artéria carótida 2 a 3 cm abaixo do impulso. O pulso venoso não é palpável! Portanto, se o impulso sumir após compressão e você não consegue palpá-lo, é da jugular. Se continuar visível e você sente o impulso, é da carótida.
3 – O pulso venoso aparece no ponto mais alto de uma coluna de líquido. Dependendo da pressão venosa central do paciente, a altura da coluna de líquido pode ser tão baixa que você não vê 45 graus porque ela está abaixo da clavícula, ou tão alta, que ela estaria na verdade acima da mandíbula e, portanto, não se torna visível (figura 3). Para excluir pressões venosas muito altas, comece o exame com o paciente sentado, e observe se o pulso venoso é visível. Se for visível, com certeza essa PVC é alta. Se não, deite o paciente a 45 graus e prossiga o exame.
4 – Peça para o paciente virar a cabeça para o lado esquerdo e observe a jugular direita (Figura 4 abaixo). A jugular direita é preferível porque é quase um caminho reto até o átrio direito, mas em raros casos a esquerda é melhor visualizada. Tente visualizar o pulso venoso, e não a veia. Pode usar uma lanterna pra ajudar. Veja em mais de um ângulo: do lado do paciente, de frente pra ele, até por trás da cabeça dele. A posição habitualmente melhor de ver a jugular é estar do lado do paciente, mas se não conseguiu assim, tente de outras posições.
5 – Se você ainda não conseguiu ver o pulso venoso com o paciente sentado ou a 45 graus, tente com ele deitado. Talvez a PVC esteja muito baixa, e você só vai ver a coluna de líquido com ele na posição supina (mesma figura do sentado).
6 – Se ainda assim, não deu, tente o refluxo hepatojugular. Lembre-se que para considerar refluxo hepatojugular, você tem que comprimir a região subcostal direita por 10 segundos e observar se há elevação do pulso venoso da jugular em 3cm sustentada nesse período. Em pessoas sem doença cardíaca, é normal aparecer uma elevação do pulso venoso por 1-2 segundos, mas cai logo em seguida porque o ventrículo se adapta para receber essa pré-carga aumentada.
7 –Se você só conseguiu ver o pulso venoso apenas com o paciente deitado e não a 45 graus, a PVC não está elevada. Se você não conseguiu ver de jeito nenhum, não se apavore, as vezes não conseguimos mesmo (paciente obeso, pescoço curto, alguma deformidade, ou simplesmente não é visível). Nesse caso é autorizado usar a jugular externa, sabendo que é uma avaliação mais limitada.
E aí, pessoal, ficou um pouco mais claro como examinar a jugular?
Uma sugestão de leitura é um artigo do JACC sobre o papel do exame clínico em paciente com IC, que fala não só de estase jugular mas de outros achados do exame físico também!
Thibodeau JT, Drazner MH. The Role of the Clinical Examination in Patients With Heart Failure. JACC Heart Fail. 2018 Jul;6(7):543-551. doi: 10.1016/j.jchf.2018.04.005. Epub 2018 Jun 6. PMID: 29885957.